sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Práticas educativas e juventude rural

Práticas educativas estruturantes do habitus 
da juventude rural no campo da modernização agrícola*
 
Resumo
Esse artigo é resultado de uma pesquisa que objetivou apresentar os resultados da implantação do projeto de extensão “Orientação e instrumentalização de jovens rurais para atuarem como agentes multiplicadores na organização sócio produtiva de seus assentamentos”, financiado pelo Edital MCT/CNPq/CT-AGRONEGÓCIO/MDA - Nº 23/2008 - Programa Intervivência Universitária. F foi nomeada pela equipe executora como Projeto “Jovens Rurais”, terminologia que será utilizada durante esse artigo. Foi desenvolvido nos municípios de Jataí e Perolânida, no Sudoeste Goiano. 


O projeto teve como principais objetivos divulgar e socializar conhecimentos produzidos nos centros especializados, fornecer subsídios práticos para a utilização e instrumentalizar técnica, social e política dos jovens rurais para atuarem como multiplicadores e agentes de desenvolvimento nos seus assentamentos de origem no sentido da transição agroecológica. A metodologia utilizada na pesquisa foi bibliográfica e documental. Utilizou-se todos os documentos gerados durante a execução do projeto. O referencial de análise utilizado é a da Teoria da Prática de Pierre Bourdieu. A pesquisa revelou que práticas educativas presentes no campo da modernização agrícola são influenciadoras na constituição do habitus da juventude rural. Palavras-chave: Juventude rural; práticas educativas; habitus; cultura.

Apresentando o projeto e a pesquisa
O projeto “Jovens Rurais” teve como principal objetivo atender jovens residentes e estudantes em áreas rurais, assentamentos de reforma agrária, com idade entre 12 e 18 anos que demonstrassem experiência e/ou aptidão para ações educativas, extensionistas e organizativas. O objetivo foi divulgar e socializar conhecimento produzido e sistematizado pelos Centros Especializados [1] e fornecer subsídios práticos para sua utilização, por meio do envolvimento e da instrumentalização técnica, social e política dos jovens.


Objetivou ainda instrumentalizar os jovens para atuarem como multiplicadores e agentes de desenvolvimento nos seus assentamentos de origem no sentido da transição agroecológica; estimular o desenvolvimento de habilidades e competências nos jovens dando-lhes treinamento, orientação e acompanhamento a fim de garantir a aplicabilidade do que for tratado nos módulos de vivência; estimular o espírito de liderança e de coletividade nos jovens rurais, com orientação para a organização sócio-política e o desenvolvimento nos seus assentamentos; revitalizar a identidade e a socialização camponesa e resgatar a percepção de suas condições de herdeiros de uma identidade e de uma terra; estimular os jovens na compreensão do lugar que ocupam, de si mesmos e da sociedade, de seus desejos de mudança e da afirmação como membros de um grupo social.

Para alcançar esses objetivos a execução do projeto materializou-se na forma de vivências universitárias por meio da realização de módulos de estudos. Eles funcionaram como momento e local de interlocução entre os jovens e os profissionais qualificados para os temas abordados, com o acesso dos jovens aos laboratórios, experimentos, bibliotecas, grupo de estudos, projetos, programas, dentre outros espaços e atividades da Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí.

As vivências universitárias foram orientadas pelas linhas de apoio previstas no projeto: Organização Social e Associativismo; Ecologia, Legislação Ambiental e Utilização de Recursos Naturais; Produção Agrícola, Zootécnicas e Agroecológica. Essas três linhas de apoio permitiram desenvolver ações junto aos jovens rurais na perspectiva da transição agroecológica tendo como pretensão alcançar níveis de organização, de produção, de comercialização, de renda e de qualidade ambiental e de vida mais elevados, gerando condições para a autonomia e a sustentabilidade dos assentamentos envolvidos com o projeto.

Nos períodos de intervalos entre uma vivência e outra houve uma atividade de acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos jovens em seus assentamentos de origem. Essas atividades foram monitoradas e supervisionadas pela equipe técnica integrante do projeto. O objetivo foi orientar os jovens na execução das ações desenvolvidas por eles a partir dos conhecimentos adquiridos em cada uma das vivências universitárias.

Durante o período de execução do projeto foram ofertados quatro módulos de vivências universitárias, atendendo 60 jovens entre 12 a 18 anos de 4 assentados de reforma agrária dos municípios de Jataí e Perolândia. O projeto foi implementado e desenvolvido em parceria com esses assentamentos e Universidade Federal de Goiás, Campus Jataí e conduzido pelo Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agricultura Familiar (NEAF) da UFG/CAJ.
Um dos motivadores para o proposição desse projeto de extensão foi a constatação de que, nessa região, as escolas rurais, nos moldes como hoje está constituída, pouco ou nada tem contribuído com os saberes e fazeres necessários aos jovens que vivem no/do campo. (LEAL, 2008)

As escolar rurais dos municípios atendidos pelo projeto surgiram face as necessidades de apreensão de conhecimento relacionados ao processo de modernização agrícola empreendido no país, e na região do Sudoeste Goiano, a partir da década de 1970. Nesse sentido elas seguem construindo práticas educativas constitutivas de habituscapazes de perpetuar um modelo de desenvolvimento que interessa apenas à agricultura/agricultores capitalistas.

Nesse sentido, o projeto “Jovens Rurais”, foi pensado e executado com vistas a propor práticas educativas que fossem mais significativas para os jovens que estudam, trabalham e vivem no/do campo. Ou seja, nele procurou desenvolver práticas educativas que fizessem mais sentido e significado para os jovens assentados. Buscou-se possibilidades educativas capazes de resgatar valores da cultura campesina, podendo assim, contribuir para constituição de novos habitus, capazes de configurar nesses jovens uma nova cultura [2], de maneira a assegurar a constituição, a consolidação, a manutenção, a reprodução e a conformação de um modelo de desenvolvimento endógeno.

Nota-se que a execução desse projeto de extensão gerou uma tensão no que se refere às práticas educativas. De um lado temos a escola rural que forma na perspectiva de manutenção do status quo, ou seja, de um modelo de desenvolvimento agrícola exógeno. Do outro lado, temos o projeto “Jovens Rurais” que forma na perspectiva de um modelo de desenvolvimento agrícola endógeno.

Partindo dessa tensão gera-se então a necessidade de uma pesquisa que pudesse avaliar os impactos da implantação do projeto “Jovens Rurais”, e são os resultados dessa pesquisa que esse artigo pretende apresentar. Para compreender os impactos da implantação desse projeto na vida desses jovens utilizar-se-á como referencial de análise a Teoria da Prática de Pierre Bourdieu. Por isso categorias fundantes utilizadas pelo autor: espaço social, campo, habitus, capital, entre outras, serão apresentadas.

Referencial teórico
O referencial teórico-metodológico utilizado na pesquisa remete a pensar nas relações que se processam entre a sociedade e os atores sociais, na mediação entre o campo e o habitus, ou entre a estrutura e o ator. Para esse autor a apreensão do espaço social se dá de maneira relacional. Para ele,

É preciso, de fato, aplicar o modo de pensar relacional ao espaço social dos produtores: o microcosmo social, no qual se produzem obras culturais, campo literário, campo científico etc., é um espaço de relações objetivas entre posições [...] e não podemos compreender o que ocorre a não ser que situemos cada agente ou cada instituição em suas relações objetivas com todos os outros (BOURDIEU, 1996, p. 60).

Bourdieu trabalha com duas categorias fundantes em seu esquema explicativo: habitus e campo.Para Bourdieu, citado por Martins (1987), habitus é um sistema de disposições duráveis. A sua existência resulta de um processo de aprendizado, produto do contato dos agentes sociais com diversas modalidades de estruturas sociais. O habitus adquirido pelo ator social, por meio de sua inserção em diferentes espaços sociais, constitui uma matriz de percepção, de apreciação e de ação que se realiza em determinadas condições sociais. O habitus informa a conduta, as suas estratégias de conservação e/ou de transformação das estruturas que estão no princípio de sua produção. Assim, habitus

são sistemas de disposições duráveis e transferíveis, estruturas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem ser objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los, objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser o produto da obediência a regras, sendo coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (MARTINS,1987, p. 40).

O habitus orienta as práticas individuais e coletivas. Ele tende a assegurar a presença ativa das experiências passadas que, depositadas em cada indivíduo sob a forma de esquema de pensamento, percepção e ação, contribui para garantir a conformidade das práticas e de sua constância através do tempo. Por meio do habitus, o passado do indivíduo sobrevive no momento atual, atualizando-se nas práticas realizadas no presente, e tende a subsistir nas ações futuras dos atores sociais ao confrontar com situações conjunturais nos diversos espaços sociais. Ele torna possível a criação de novas modalidades de conduta dos atores sociais.

Se o habitus orienta a prática [3] dos agentes, esta somente se realiza na medida em que as disposições duráveis dos atores entram em contato com uma situação. Essa situação é denominada em seus trabalhos sobre campo, que é uma outra categoria central em seu esquema explicativo. O campo é um espaço social que possui uma estrutura própria, relativamente autônoma em relação a outros espaços sociais, isto é, em relação a outros campos sociais. Mesmo mantendo uma relação entre si, os diversos campos sociais se definem por meio de objetivos específicos, que lhe garantem uma lógica particular de funcionamento e de estruturação. É característico do campo possuir suas disputas e hierarquias internas, assim como princípios que lhe são inerentes cujos conteúdos estruturam as relações que os atores estabelecem entre si no seu interior. A lógica específica de um campo só é compreensível para aqueles que dele participam.

Segundo Bourdieu (1983), um campo
[...] se define entre outras coisas através da definição dos objetos de disputa e dos interesses específicos que são irredutíveis aos objetos de disputa e aos interesses próprios de outros campos e que não são percebidos por quem não foi formado para entrar neste campo (cada categoria de interesses implica na indiferença em relação a outros interesses, a outros investimentos, destinados assim a serem percebidos como absurdos, insensatos, ou nobres, desinteressados). Para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de disputa e pessoas prontas para disputar o jogo, dotada de habitus que impliquem no conhecimento e no reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos de disputa, etc. (p. 89, grifo do autor).

Para aprofundar no estudo do campo, faz-se necessário compreender a noção de espaço social [4]. Segundo Bourdieu (1996), o espaço é o “conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras por uma exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também, por relações de ordem” (p. 18-19, grifo do autor).

O campo é um espaço social com estrutura própria relativamente autônoma em relação a outros campos. Os diversos campos sociais mantêm relação entre si, mas são definidos por objetivos específicos que garantem sua lógica particular de funcionamento e estruturação. O campo possui hierarquias e disputas internas que são compreendidas por aqueles que dele participam. Para o funcionamento de um campo é necessária a existência de objetos em disputa e pessoas dotadas de habitus prontas para disputar. 

A compreensão das categorias habitus e campoé fundamental na medida em que se usa, para fins de análise nessa pesquisa, um campo – o campo da modernização agrícola [5] – na perspectiva de compreender a juventude rural inserida no fenômeno da modernização agrícola no contexto do Sudoeste goiano e a relação de poder existentes nesse campo. O campo da modernização agrícola é um espaço social, como os outros, em que se trata de poder, de capital, de relações de força, de estratégias de manutenção ou de subversão e de interesses.

Segundo Bourdieu, a propriedade definidora de um campo é que todos os agentes que estão engajados nele têm certo número de interesses fundamentais comuns, ou seja, tudo aquilo que está ligado à própria existência do campo, por isso existe uma cumplicidade objetiva subjacente a todos os antagonismos. Pelo simples fato de jogar, de entrar no jogo, a luta pressupõe um acordo entre os antagonismos sobre o que merece ser disputado, e muitas vezes esse fato é escondido por trás da aparência do óbvio, tudo aquilo que constitui o campo, o jogo, os objetos de disputa, todos os pressupostos que são tacitamente aceitos, mesmo sem que se saiba. Os que participam da luta contribuem para a reprodução do jogo colaborando para produzir a crença no valor do que está sendo disputado. 

Os recém-chegados devem pagar um direito de entrada que consiste no reconhecimento do valor do jogo e dos princípios de seu funcionamento, também chamado de investimento. Eles são levados às estratégias de subversão que, sob pena de exclusão, permanecem dentro de certos limites. As mudanças que ocorrem nos campos colocam em questão os próprios fundamentos do jogo sobre os quais repousa o jogo inteiro. Pelo conhecimento prático dos princípios do jogo, todo o passado está presente em cada ato do jogo. Nele, todas as pessoas “compactuam com a conservação do que é produzido no campo, tendo interesse em conservar e a se conservar conservando” (BOURDIEU, 1983, p. 91-92).

O que está em jogo no campo da modernização agrícola é a mudança na cultura e no habitus do camponês; a passagem de uma economia de subsistência para uma economia eminentemente de mercado, tendo como consequência a manutenção de princípios da modernização conservadora, a proletarização e exclusão do trabalhador rural desse processo, agressões à natureza, mudanças na base técnica de produção, inserção de capital financeiro na agricultura, desenvolvimento desigual e combinado, industrialização da agricultura e formação dos complexos agroindustriais. Segundo Bourdieu, dentro de um campo existem vários agentes que são mobilizados por um interesse comum, por uma ideia única. No campo da modernização agrícola, a moeda comum é o processo de modernização agrícola. Ou seja, nesse campo esses agentes se mobilizam em função dessa moeda comum.
Participam desse jogo diversos agentes coletivos. Para efeito dessa pesquisa, serão delimitados apenas aqueles que são considerados significativos, aqueles que possuem capital suficiente para uma participação na luta concorrencial dentro do campo. De um lado o sistema educacional materializado, nesse contexto, nos saberes/práticas educativas transmitidos pelas escolas rurais dos municípios envolvidos na pesquisa. De outro lado os centros especializados materializado, para fins dos resultados dessa pesquisa, pelos saberes/práticas educativas transmitidos pelo projeto “Jovens Rurais”.

Sabe-se que educação, ou as chamadas práticas educativas são constitutivas de habitus. Para compreender essas práticas educativas é preciso ampliar a abrangência do campo educacional e adquirir uma nova concepção de educação.

A educação não é uma ação exclusiva do sistema escolar [...] educação é antes de tudo, formação de consciência, aquisição de conhecimento do real, aquisição essa que se faz em sociedade. Os homens educam-se, adquirem consciência, na relação que estabelecem entre si e com a natureza em condições concretas de vida. A educação, portanto, faz-se, não só na prática escolar, mas nas diversas práticas. (LOUREIRO, 1988, p. 20, grifo nosso)
Interessa aqui evidenciar a educação elaborada a partir das estratégias de ação utilizadas pelos agentes coletivos no campo da modernização agrícola. São as ações dos agentes coletivos, escolas rurais e centros especializados, que são tomadas aqui como educação. A ação desses agentes coletivos é prenhe de intencionalidade, de significações históricas e sociais, constitutivas e constituintes das relações que eles estabelecem entre si. São nessas ações que são reveladas as suas docências.

São nelas que os agentes estabelecem estratégias que asseguram ou não a reprodução e manutenção de seu papel. Elas é que revelam o apoio dado ao avanço da modernização agrícola. É nas ações educativas dos agentes coletivos que é possível perceber se agiram numa perspectiva de reprodução ou de contestação do processo de modernização agrícola no Sudoeste goiano.

Entender essas estratégias como práticas educativas é possível, pois, como diz Brandão (1993), não há uma forma única nem um único modelo de educação. Ela existe em mundos diversos e de diferentes maneiras. Ela existe em cada categoria de sujeitos de um povo, em cada povo, e entre povos que se encontram, e existe entre povos que submetem e dominam outros povos, usando a educação como um recurso a mais de sua dominação.

Em todos os tipos de sociedades, a educação é um dos mais eficazes instrumentos de controle social, quer apareça difusa e não formalizada, quer apareça formalizada. Ela é uma das práticas sociais usadas, com frequência, para controle de ideias e condutas. Os conteúdos dessa educação conduzem a mensagens que legitimam a ordem social. Assim, ao ensinar alguma coisa, ensinam-se os valores de uma ordem social que se impõe ser reconhecida como legítima e necessária, ao mesmo tempo em que se inculcam conhecimentos e habilidades tidas como necessárias e legítimas, para que as pessoas educadas preservem e reconstruam a ordem econômica, política e simbólica da sociedade.

Para Brandão (1990), todo o exercício de educação tem uma dimensão instrumentalizadora. Ela responde a necessidades gerais e especializadas das pessoas, por isso os controladores da educação definem toda a sua prática e determinam o que ela deve ser. Assim, nada é gratuito e nem puramente educativo na educação. Se, em um nível mais visível, ela parece ser pensada e exercida de modo a produzir benefícios diretos ou indiretos para todas as pessoas; em outro nível, o que se esconde sob as realizações do primeiro, ela se soma a tudo que serve para controlar o pensamento, as iniciativas, enfim, a vida individual e coletiva de todos os sujeitos de algum modo envolvidos em suas tramas.

Metodologia utilizada
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa foi bibliográfica e documental. Utilizou-se todos os documentos gerados com a execução do projeto “Jovens Rurais”, entre eles: projeto, módulos de vivências, apostilas didáticas utilizadas nos módulos, relatórios das vivências, relatórios das visitas técnicas realizadas nos assentamentos, questionários aplicados aos jovens, aos pais dos jovens, e aos membros da comunidade dos assentamentos envolvidos, depoimentos de pais e jovens durante a avaliação de cada uma das vivências, vídeos documentários gerados durante as vivências, cartas, letras de músicas compostas pelos jovens, relatório final do projeto, entre outros documentos.


Resultados alcançados
Opta-se, nesse artigo, por apresentar os resultados obtidos com a implementação e execução do projeto “Jovens Rurais” em três dimensões:

Os resultados dos módulos de vivências - Oferta de quatro módulos de vivências universitárias, com 15 dias cada um; Composição de quatro módulos de vivências com temas específicos de acordo com o interesse e a necessidade dos jovens e seus familiares; Oferta de conteúdos teórico-práticos de acordo com os temas tratados; Acompanhamento, da aplicabilidade dos conteúdos tratados, nos lotes e assentamentos dos jovens; Monitoramento das experimentações realizadas pelos jovens participantes do projeto; Orientação e instrumentalização teórico-prática de 60 jovens assentados, com impacto direto em 48 famílias, aproximadamente 240 pessoas; Multiplicação do aprendizado, por parte dos jovens, nos seus assentamentos de origem, com impacto indireto em 170 famílias, aproximadamente 850 pessoas.

Os resultados técnicos - Compreensão, por parte das famílias, da economia doméstica; Diversificação e aumento da produção e produtividade; Aumento da renda familiar; Diversificação de alimentos para o consumo diário das famílias envolvidas no projeto; Redução dos custos de manutenção do lote e da família; Incremento da criação e do manejo de animais para corte, leite e postura; Articulação para a comercialização da produção dos assentamentos; Formação de multiplicadores dos conhecimentos técnico-científicos tratados durante os módulos de vivência; Uso e aproveitamento de resíduos para a adubação e proteção do solo; Aproveitamento de resíduos orgânicos; Integração de cultivos; Uso de materiais alternativos para construções diversas; Reuso de materiais para a produção de utensílios e artesanatos.

Os resultados sociais - Maior envolvimento dos jovens nas atividades diárias do assentamento; Redução do interesse de migrar para as cidades e abandonar as áreas rurais; Interesse em seus lotes e áreas rurais; Envolvimento nas reuniões das Associações dos assentamentos; Progresso na comunicação com outras pessoas, dentro e fora do assentamento; Melhora da autoestima; Atuação como agentes multiplicadores de conhecimentos nos assentamentos de origem; Melhoria da qualidade de vida; Maior envolvimento com as atividades e a vida escolar; Articulação entre os jovens, dentro do próprio assentamento e entre assentamentos; Organização de eventos sociais como: torneios esportivos, reuniões, festejos e construção de uma biblioteca; Interesse na formação continuada, sobretudo, em fazer curso superior.

Análises e discussões
As estratégias ou práticas educativas desenvolvidas no campo da modernização agrícola pelos dois agentes coletivos analisados, escolas rurais e centro especializado – projeto “Jovens Rurais”, cada um a seu modo, procuram instrumentalizar os jovens com moeda suficiente para entrar numa luta concorrencial, numa disputa por um modelo de desenvolvimento agrícola.

Segundo Leal (2008), as escolas rurais, da forma como foram historicamente constituídas nessa região, assume uma dimensão oca na medida em que é esvaziada de preocupações que operem transformações benéficas reais, ou seja, as práticas educativas presentes no campo se tornaram uma educação que não interage com o estudante rural enquanto tal.
De acordo com Pessoa, “podemos dizer que não existe escola rural, mas que existe no campo apenas um tosco arremedo da escola urbana” e que “a rigor não existe educação rural; existem fragmentos de educação escolar urbana introduzidos no meio rural. A própria educação escolar é, em si mesma, uma instituição emissária do poder que se concentra na cidade e, de lá, subordina a vida e o homem do campo” (PESSOA, 1997, p. 154).

Nessa perspectiva, parece clara a intencionalidade das práticas educativas desencadeadas pelas escolas rurais dessa região. Funcionam como estratégias para conservar o modelo de desenvolvimento agrícola existente no campo da modernização agrícola.
Já o projeto “Jovens Rurais” desenvolveu práticas educativas, desencadeando os resultados apontados acima, que poderiam ser chamadas de contra estratégias ou estratégias contra hegemônicas, pois procurou instrumentalizar os jovens com saberes que possibilitaram um aumento de capital simbólico capaz de colocá-los na luta concorrencial no campo da modernização agrícola.
As estratégias funcionam como investimentos dentro do campo, pois são elas que possibilitam o aumento de capital, segundo a oportunidade que o seu detentor tiver de operar as aplicações mais rentáveis. A razão desse investimento é a acumulação de formas de capital que garantam a dominação no campo, que se apresenta como um espaço de forças. Os agentes em oposição dentro desse campo podem optar por estratégias de conservação ou subversão, de acordo com o seu interesse no campo.
A reprodução dos agentes sociais no campo explica-se pelas múltiplas estratégias que eles mobilizam para a conservação ou a apropriação de capital. Com isso, eles procuram sempre manter ou melhorar sua posição social dentro do campo. Os mecanismos de conservação da ordem social predominam em razão da importância das estratégias de reprodução.

Uma das questões fundamentais sobre o mundo social é saber por que e como o mundo dura, persevera no ser e se perpetua a ordem social, isto é, o conjunto das relações de ordem que o constituem. [...] Pode-se estabelecer uma espécie de quadro das grandes classes de estratégia de reprodução [...] que se encontram em todas as sociedades, mas com pesos diferentes [...] e sob formas que variam segundo a natureza do capital que deve ser transmitido e o estado dos mecanismos de reprodução disponíveis. (BONNEWTZ, 2003, p. 67)
Essas estratégias de reprodução podem ser de diferentes ordens, como as de investimento biológico, de sucessão, de investimento econômico, de investimento simbólico e de investimento educativo. As estratégias educativas visam reproduzir agentes sociais capazes de receber e transmitir a herança do grupo. A eficácia das estratégias de reprodução depende dos instrumentos de reprodução postos à disposição dos agentes.

Considerações finais
Nos termos de Bourdieu, temos no campo da modernização agrícola a formação de um novo habitus. Um habitusagromodernizado (estrutura estruturada) e agromodernizador (estrutura estruturante). Em sua dimensão agromodernizada, as pessoas introjetam e assimilam o modo como as coisas são dentro desse campo; em sua dimensão agromodernizadora, ele passa a ditar o comportamento das pessoas dentro do campo, ou fazer com que elas reproduzam esse habitus. O campo da modernização agrícola dita os novos habitus, e cada um dos agentes passa a reproduzi-lo, ou seja, já estão estabelecidos para cada agente os seus papéis dentro do campo: trazer, manter e reproduzir a lógica do campo.


Essa formação de novos habitus foi possível em função das estratégias de ação adotadas pelos agentes coletivos, especialmente as escolas rurais, no campo da modernização agrícola. Os dados desta pesquisa indicam que o modelo de educação presente nesse campo assume essa dimensão instrumentalizadora, pois se constitui esvaziado de preocupações que possam operar transformações benéficas a todas as pessoas, assumindo um modelo que é utilizado para criar necessidades de consumo dos produtos industrializados na produção agropecuária, sendo que, com esse consumo, dá-se o aumento da produção e o êxito do trabalho educativo.

Todas essas práticas educativas se corporificam no campo da modernização agrícola, tornando-se uma educação que busca atender a determinadas finalidades. Brandão (1990) reforça que a educação pode ter diferentes finalidades e, às vezes, ter usos escusos. Pode ser usada para professar ideias que interessem apenas a determinada parcela da sociedade. A educação existe no imaginário das pessoas e na ideologia dos grupos sociais, e ali sempre se espera, de dentro, ou sempre se diz, de fora, que sua missão é transformar sujeitos e mundos em alguma coisa melhor, de acordo com as imagens que se têm de uns e outros. Mas, na prática, a mesma educação que ensina pode deseducar, e pode-se correr o risco de fazer o contrário do que se pensa que faz, ou do que se inventa que pode fazer.

A inversão, ao menos parcial, dessas situações pode estar diretamente ligada à constituição de novas práticas educativas dos sujeitos históricos que compõem a região estudada, assumindo um (re)redirecionamento desse modelo de desenvolvimento agrícola. Essas práticas educativas foram percebidas na execução do projeto “Jovens Rurais” e são capazes da geração de novos habitus. Novos habitus podem ser constitutivos de condutas que levem a juventude rural deter capital suficiente para entrar numa luta concorrencial dentro do campo da modernização agrícola. Como consequência dessa luta pode-se ter a inversão, ao menos parcial, desse modelo de desenvolvimento exógeno e excludente historicamente constituído nessa região.

Referências Bibliográficas
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2003.
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
_____. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1993.
_____. Pensar a prática: escritos de viagem e estudos sobre a educação. São Paulo: Loyola, 1990.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 2002.
LEAL, C. R. A. A.. Arapuca armada: ação coletiva e práticas educativas na modernização agrícola do Sudoeste goiano. Goiânia, 2006. 256f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás.
LEAL, C. R. A. A. et.al. Educação rural jataiense: sentidos e significados. In: XVII Simpósio de Estudos e Pesquisa da Faculdade de Educação/UFG, Goiânia – GO, mai. 2008.
LOUREIRO, Walderês Nunes. O aspecto educativo na prática política. Goiânia: Editora da UFG, 1988.
MARTINS, Carlos Benedito. Estrutura e ação: a teoria da prática em Bourdieu. Educação & Sociedade. Campinas, n. 27, p. 33-46, set. 1987.
PESSOA, J. de M. Artigo 28 sem rodeios: a educação rural na nova LDB. In: Fragmentos de cultura. Goiânia, v. 28, n. 7, 1997, p. 149-158.

Notas
* Este artigo foi originalmente apresentado no 5º Encontro da Rede de Estudos Rurais, entre 3 e 6 de junho de 2012.
[1] Considera-se nesse artigo, como Centro Especializado, o NEAF – Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Agricultura Familiar do Campus Jataí da Universidade Federal de Goiás.
[2] Nos textos de Bourdieu, a palavra cultura é tomada geralmente em sentido que remete às obras culturais, aos produtos simbólicos socialmente valorizados ligados ao domínio das artes e das letras. Bourdieu trata da cultura recorrendo ao conceito de habitus (Ver CUCHE, 2002).
[3] Prática em Bourdieu é entendida como produto de uma “relação dialética” entre uma situação e um habitus, isto é, o habitus como sistema de disposições duráveis é matriz de percepção, de apreciação e de ação, que se realiza em determinadas condições sociais (MARTINS, 1987).
[4] Para Bourdieu (1996), espaço social é um campo. “É isso que acredito expressar quando descrevo o espaço social global como um campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos [...].” (p. 50)
[5] Campo da modernização agrícola (ver Leal, 2006).