quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MARANHÃO
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Governo precisa 'acordar' para a
situação no campo, dizem entidades
Conflitos agrários e trabalho escravo
mantêm Maranhão no século 19

A Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, juntamente com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e Comissão da Pastoral da Terra (CPT), concederam uma entrevista coletiva, na manhã de ontem, para divulgar dados referentes a trabalho escravo e conflitos agrários no estado. Atualmente o Maranhão está em 3º lugar na “lista suja” do trabalho escravo no país, além de manter a primeira posição na exportação de mão de obra escrava. Pará e Tocantins ocupam o 1º e o 2º postos, respectivamente, na “lista suja” de empregadores escravistas, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O crescimento dos conflitos pela posse da terra também preocupam. Foram 40 no ano passado. Este ano já somam 84. Para as entidades que representam os movimentos sociais no estado, o governo maranhense precisa “acordar” para a “situação de caos e tensão” no campo.

De acordo com o padre Inaldo Serejo, coordenador da CPT, o setor de Documentação da Comissão realizou um censo no primeiro semestre de 2009 e 2010 sobre o uso de mão de obra escrava no país. Os dados revelaram que no Maranhão, em 2009, foram registradas 16 ocorrências de denúncias envolvendo 286 trabalhadores em regime de escravidão, sendo libertadas 63 pessoas. No primeiro semestre deste ano (2010), foram registradas 9 ocorrências, com denúncias sobre 173 trabalhadores escravos, sendo libertados 64.

“Em relação aos conflitos de terras, em 2009 identificamos 40 atritos, envolvendo 4.148 famílias. Já em 2010, esse número subiu para 84 conflitos, atingindo mais de 6.400 famílias. Ao contrário do que dizem, o Maranhão tem muita terra, é rico, fértil, tem água, mas está sendo violentado por um governo que defende o interesse das grandes empresas que estão despejando da terra famílias que possuem direitos adquiridos”, disse o padre Inaldo.

Segundo o advogado Diogo Cabral, representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, a sociedade precisa tomar conhecimento da realidade agrária do estado, uma vez que no Maranhão não houve reforma agrária; em consequência disso, em 11 anos, mais de 340 mil trabalhadores foram expulsos do campo. Ele afirmou ainda que em 21 anos, mais de 120 trabalhadores rurais foram assassinados.

“São mais de 40 assentamentos em todo o estado e o censo da CPT aponta que existem mais de 220 conflitos por causa da terra no Maranhão. O governo do estado precisa acordar pra situação de caos em que vivem essas famílias, inclusive quilombolas, que estão sendo ameaçadas de despejo por autodenominados donos e jagunços. As famílias detêm a posse da terra e sabemos que muitos desses documentos apresentados por grileiros são falsos. No Pará, por exemplo, só este ano o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), anulou mais de 5 mil títulos de propriedade fundiária falsificados”, disse Cabral.

O coordenador do MST, Jonas Borges, afirmou que os conflitos agrários no estado aumentaram após a implementação e consolidação de grandes projetos no Maranhão, como refinarias, indústrias alimentícias e empresas exploradoras de gás. Segundo ele, as comunidades do interior estão instaladas justamente nas áreas de interesses desses empresários, que se fortalecem ao contar com a ajuda e o empenho do governo.

“Os grileiros aparecem de todos os lados exigindo terras que nunca foram deles. A governadora é omissa e aceita essa violência aos trabalhadores do campo. A situação vai ficar pior, pois além da reeleição de Roseana, seus senadores e Ricardo Murad também foram eleitos, e todos têm interesses nesses grandes projetos. Porém, não vamos ficar passivos, vamos para o enfrentamento, se for preciso, na defesa dos trabalhadores”, ressaltou Borges.

O advogado Diogo Cabral frisou que é necessário que casos de empregadores de trabalhadores escravos não fiquem impunes. Ele citou o exemplo do juiz Marcelo Testa Baldochi, acusado de ser escravista. Cabral lembrou que o processo relativo ao caso já havia sido arquivado pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, mas teve de ser a reaberto após determinação do CNJ.

“O juiz Marcelo Baldochi é proprietário da Fazenda Pôr do Sol, em Bom Jardim, e, segundo a denúncia, lá haviam 25 trabalhadores em regime de escravidão, entre eles um adolescente de 15 anos. O juiz teve seu processo arquivado pelo TJ-MA e continua até hoje trabalhando normalmente. Mas em 31 de agosto foi reaberto o processo administrativo disciplinar para a apuração das denúncias”, informou Diogo Cabral.

Para o advogado Antonio Rafael Silva Júnior, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, o trabalho escravo é “uma alternativa absurda, mas é o que resta a pessoas completamente alijadas de qualquer tipo de inclusão social”.

“Essas pessoas são seduzidas por promessas falsas e vão para regiões distantes. Elas nem sabem onde estão, ficam presas por dívidas, nessas áreas sem qualquer condição minimamente digna de vida. E os maranhenses são os que mais estão envolvidos com o trabalho escravo no Brasil. A situação hoje no Maranhão é gravíssima, que remonta a séculos passados. Nós estamos numa situação do século 19 aqui no Maranhão”, disse o advogado.

Por: Jully Camilo

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